domingo, 20 de fevereiro de 2011

O Suicida



Revirando um antigo blog, acabei relendo um conto escrito e publicado há quase três anos, em março de 2008. É uma história real. Ou quase. Recortei relatos de diferentes envolvidos e acrescentei minhas 'licenças poéticas'. Hoje pensei que poderia republicá-lo aqui no Sociedade das Ervilhas. Afinal, tem humor (um pouco negro, ok, rs) e se encaixa nas temáticas de relacionamento e loucuras de uma mente - desta vez, uma bem masculina. Have fun!

O Suicida

Aquele homem chamado Evan (e não Ivan) – a quem simplesmente chamarei de “ele” – havia passado toda a tarde de sábado tomando cerveja com os amigos. Mesmo com a cabeleira já invadida pelos fios brancos, aquele senhor mantinha o frescor da juventude tão visível quanto os sinais no tempo.Com os reflexos já prejudicados pelas horas imersas no álcool, ele voltou para casa.

No seu apartamento, no oitavo andar, não havia ninguém. Nem sua mulher, nem seus dois filhos. Apenas luzes a serem acesas. Aquele vazio, aquela escuridão e a visão turva fizeram-no estranho. Sentou-se na sala, sem ânimo para apertar interruptores, e começou a pensar. E sentiu uma agonia enorme, uma tristeza moribunda, um presságio assustador.“Vou morrer”, ele pensou.

Então, calmamente, ali sentado, ficou esperando a morte. Os relógios caminharam minutos, e nada da morte chegar. Ele é impaciente, esperar nunca foi dos seus melhores atributos. Andou até a sacada, olhou a cidade de poucas luzes e o chão, distante. Ninguém passava na rua. Agonia crescendo.

Pensou em jogar-se dali. Ele já sabia que iria morrer, só iria fazer passar aquela sensação, logo.Apoiou-se no parapeito e, pronto para jogar-se, lembrou. “As crianças! Não posso morrer assim, preciso esperar minha esposa chegar para combinar algumas coisas sobre as crianças...”. Voltou ao sofá e colocou-se a pensar nas crianças, ambas com mais de 20 anos.Deve ter pensado em comer algo também. Detestaria morrer de estômago vazio.

Algum pouco tempo depois a esposa abriu a porta, entrou. Admirou-se com ele, ali, no escuro, sentado da sala. Ouviu:

- Queridinha, eu vou morrer. – costumava chamá-la assim, no diminutivo.

- Sim, eu sei, todos nós vamos morrer. – ela, com seu humor sempre afiado, soltou. Talvez por saber das cervejas. Talvez por conhecê-lo melhor que ele mesmo.

- Estou falando sério, vou morrer. E vai ser agora. Só estava esperando você chegar para combinar umas coisinhas sobre as crianças, deixar tudo ajeitado para vocês. Senhas, dinheiro, compromissos, essas coisas todas.

- Eu acho que a gente precisa medir sua pressão.

- Isso, pode medir, aí você vai saber: estou morrendo.Ela entrou para o quarto e pegou o aparelho. Voltou para sala e mediu a tal pressão. O silêncio voltou a ser quebrado.

- 12 por 8. Incrível! Você nunca esteve com a pressão tão boa! Que maravilha!

- Impossível...“Impossível!!!”. Ele ficou pensando como poderia morrer se a pressão estava tão boa. Ele não poderia estar redondamente enganado, não podia, jamais estava errado!

- Ok, tudo bem. Mas eu vou morrer. Quer ver? Meça minha glicose.

Ela mediu. Um pouco de insulina e estaria tudo normal. Ele estava muito bem. Já acostumada, ela teve paciência.

- Queridinha, eu não vou morrer?

- Não, você não vai morrer - ria ela.

Então ele, que aguardava a morte apenas com as roupas de baixo, arrastou-a para o elevador do prédio.

- Que isso??!! – espantou-se, pela primeira vez, ela.

- Vamos fazer sexo no elevador. Nunca fizemos, vai ser hoje. Antes que eu morra de verdade.

Com receio dos vizinhos, ela puxou-o de volta para casa. Riu. Deve ter dado um banho gelado nele. E ele dormiu que nem uma pedra, cheio de vida.

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